sábado, 31 de julho de 2010

Apenas mais uma de amor

(Lulu Santos)

Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido

Como uma idéia que existe na cabeça
E não tem a menor obrigação de acontecer

Eu acho tão bonito isso
De ser abstrato baby
A beleza é mesmo tão fugaz

É uma idéia que existe na cabeça
E não tem a menor pretensão de acontecer

Pode até parecer fraqueza
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer

Se amanhã não for nada disso
Caberá só a mim esquecer
O que eu ganho, o que eu perco
Ninguém precisa saber

Eu gosto tanto de você
Que até prefiro esconder
Deixo assim ficar
Subentendido

Como uma idéia que existe na cabeça
E não tem a menor obrigação de acontecer

Pode até parecer fraqueza
Pois que seja fraqueza então,
A alegria que me dá
Isso vai sem eu dizer

Se amanhã não for nada disso
Caberá só a mim esquecer
E eu vou sobreviver…
O que eu ganho, o que eu perco
Ninguém precisa saber

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ser Fluminense

(por Artur da Távola)

Ser Fluminense é entender esporte como bom gosto. É ser leal sem ser boboca e ser limpo sem ser ingênuo. Ser Fluminense é aplicar o senso estético à vida e misturar as cores de modo certo, dosar a largura do grená, a profundidade do verde com as planuras do branco.


Ser Fluminense é saber pensar ao lado de sentir e emocionar-se com dignidade e discrição. É guardar modéstia, a disfarçar decisão, vontade e determinação. É calar o orgulho sem o perder. É reconhecer a qualidade alheia, aprimorando-se até suplantá-la.

Ser Fluminense não é ser melhor mas ser certo. Não é vencer a qualquer preço mas vencer-se primeiro para ser vitorioso depois. É não perder a capacidade de admirar e de (se) colocar metas sempre mais altas, aprimorando-se na busca! E jamais perder a esperança até o minuto final.

Ser Fluminense é gostar de talento, honradez, equilíbrio, limpeza, poesia, trabalho, paz, construção, justiça, criatividade, coragem serena e serenidade decidida.

Ser Fluminense é rejeitar abuso, humilhação, manha, soslaio, sorrateiros, desleais, temerosos, pretensão, soberba, tocaia, solércia, arrogância, suborno ou hipocrisia. É pelejar, tentar, ousar, crescer, descobrir-se, viver, saber, vislumbrar, ter curiosidade e construir.

Ser Fluminense é unir caráter com decisão, sentimento com ação, razão com justiça, vontade com sonho, percepção com fé, agudeza com profundidade, alegria com ser, fazer com construir, esperar com obter. É ter os olhos limpos, sem despeito, e claro como a esperança.

Ser Fluminense, enfim, é descobrir o melhor de cada um, para reparti-lo com os demais e saber a cada dia, amanhecer melhor, feliz pelo milagre da vida como prodígio de compreensão e trabalho, para construir o mundo de todos e de cada um, mundo no qual tremulará a bandeira tricolor.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A moça Tecelã

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo se sentava ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois, lãs mais vivas; quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que, em pontos longos, rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas, se, durante muitos dias, o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome, tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor-de-leite que entremeava o tapete. E, à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas, tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha e, pela primeira vez, pensou como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E, aos poucos, seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma e foi entrando na sua vida.

Aquela noite, deitada contra o ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, por algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária, disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor-de-tijolo, fios verdes para os batentes e pressa para a casa acontecer.

Mas, pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente. — Por que ter casa, se podemos ter palácio? - perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates de prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça, tecendo tetos e portas, e pátios, e escadas, e salas, e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto, sem parar, batiam os pentes, acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal, o palácio ficou pronto. E, entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete, disse. E, antes de trancar a porta a chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso, tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos; os cofres, de moedas; as salas, de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E, tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E, pela primeira vez, pensou como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E, descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e, jogando-a veloz de um lado para outro, começou a desfazer o seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois, desteceu os criados e o palácio. E todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz que a manhã repetiu na linha do horizonte.

Marina Colasanti.